Número 276 - Zaragoza - Diciembre 2023
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Vésperas de 1813.
De: Parzifal
Fecha: 21/05/2003 19:57:48
Asunto: Vésperas de 1813.
1 ? DO NASCIMENTO, INFÂNCIA À CENA ORIGINÁRIA.


Wilhem Richard Wagner nasceu em Leipzig no dia 22 de maio de 1813. Filho de um funcionário da polícia local, Friedrich Wagner e de Johanna Wagner (nascida Bertz). Era o filho mais novo dos nove filhos do casal, e cedo demonstrou sensibilidade para a criação artística. Quando o pequeno Richard nasceu, era a época do arrebatamento romântico alemão, povoado de seres imaginários da Floresta Negra e de criaturas aquáticas do Reno. Richard cresceu ouvindo histórias fantásticas e também sermões bíblicos, de sua mãe.
Aos seis meses de idade, seu pai falece. Johanna vai morar com um dono de uma companhia de teatro, o judeu Ludwig Geyer. Esse fato provocou violentas indagações no jovem Richard sobre sua paternidade; na verdade, ele próprio pensava que seu pai era Ludwig, ao ponto mesmo de, até aos 15 anos de idade, assinar seu nome como Richard Geyer. Essas indagações ficarão presentes durante toda a vida de Wagner: em sua autobiografia, o compositor usou como símbolo um abutre ( Geyer, em alemão ) adornado pela constelação da Ursa maior ou, como é mais conhecida na Alemanha, o Carro ( Wagen, em alemão ). Em suas obras futuras, será marcante o fato de seus heróis não possuírem pais ou não conhecê-los, apenas como exemplo: Siegmund ( do Anel do nibelungo ) perde seu pai na adolescência, Siegfried ( também do Anel ) não conhece seu pai e sua mãe morre durante seu nascimento, o que também ocorre com Tristão, Parsifal também não conheceu seu pai, e abandonou ao esquecimento sua mãe.
Ludwig Geyer, como dono de uma companhia de teatro, era um homem voltado para as artes ede grande sensibilidade, e na residência de Geyer, era comum assuntos como produção e montagem de novos textos, conversas sobre dramaturgos e visitas de vários artistas permeavam o dia-a-dia dessa família. Era notório também que, dos nove filhos de Johanna, Ludwig nutria uma afeição especial, na verdade exagerada, pelo caçula, a quem chamava, carinhosamente, de ?polaco?. Porém, quando Richard alcança os nove anos de idade, morre também seu padrasto. Antes de sua morte, porém, ele permite que seu afilhado preferido participe de uma montagem de uma ópera de Weber, que sua companhia estava levando à cena, nessa ópera, o pequeno ?polaco? fazia o papel de um anjinho no coro infantil: aos nove anos, o ?polaco? subia ao palco pela primeira vez.
Por essa época, o interesse de Richard pela literatura cresce consideravelmente e nunca pararia de aumentar, Wagner é tido como o compositor que mais leu em toda a história da música. Esse interesse pela literatura de um lado, vem de seu padrasto, e de outro, de seu tio Adolfo Wagner. Adolfo era um estudioso da antigüidade clássica respeitado, e que havia publicado vários livros importantes sobre o assunto. Por intermédio de seu tio, o jovem Richard passeia pela Grécia antiga, se encanta com seus mitos, absorvendo em seu íntimo forte cultura humanística. Richard trava conhecimento com Aristóteles, com Sócrates, com os grandes trágicos da antigüidade e, aos 15 anos, seu amor pelos gregos é tal, que traduz para o alemão os dez primeiros cantos da Odisséia, de Homero ( diretamente do grego ) e escreve um poema épico: A batalha do Parnaso. Era o início de um amor grandioso pela literatura, particularmente pelo teatro. Amor esse que o faria, aos 12 anos, aprender inglês para ler Shakespeare no original.
Até essa época, todos acreditavam que Richard seria um homem voltado para a literatura. Esse pensamento ganhou ainda mais força quando, com 15 anos, escreve sua primeira peça de teatro: ?Leobald?. Essa peça foi representada com grande sucesso e tinha notadamente a influência de Shakespeare; povoada de assassinatos, delírios de loucura e aparições fantasmagóricas, essa peça carrega também o signo do romantismo alemão, em seu gosto pelo sobrenatural, que Richard, como todo o jovem de sua época, absorvia em altos vôos imaginativos.
Sua imaginação era tão fértil, que várias vezes, no meio de leituras de autores do romantismo fantástico, ele largava os livros e corria para o colo de sua mãe, alegando que os móveis de seu quarto estavam ganhando vida e queriam arragá-los! Outras vezes, porém, como ele próprio nos conta, permanecia no quarto ?extasiado com aquela sensação de medo e pavor repentinos.? Como já notamos, essas leituras tinham um forte impacto na sua imaginação criadora e o levava também a criar pequenas peças de marionetes. Nessas peças, Richard fazia tudo: escrevia, dirigia, criava os cenários e os figurinos e os próprios bonecos de marionetes eram invenção dele, nessa idade tão tenra, o pequeno ?polaco? já mostrava para sua família a sua arte-total! Como manipuladores dos bonecos, Richard contava, além dele próprio, com seus oito irmãos, principalmente com sua irmã Cecília, que era, dentre todos os seus irmãos, a que ele mais gostava e a que mais se lhe assemelhava em termos de sentimentos e de temperamento, existe uma gravura muito interessante que mostra o amor desses dois irmãos: eles estão sentados em um tronco de árvore, está chovendo e o polaquinho protege carinhosamente sua pequenina irmã do temporal, abraçando-a e encostando seus pequenos pés um no outro, para se aquecerem.
Wagner jamais iria abandonar seu amor pela literatura e pelo teatro. Mas ele ainda não havia conhecido o homem que, definitivamente, o levaria a ser um dos maiores gênios criadores da história humana. O artista que faria Wagner, decisivamente, se voltar para as artes, estava na música!
E é aos 18 anos que ele o descobre. Num concerto, Richard escuta a Nona Sinfonia, de Beethoven. E é com forte impacto emocional que ele volta para casa, totalmente fora do tempo e do espaço. Os acordes inicias dessa obra, o movimento final que termina num coral impressionante, fariam o espírito e a mente de Wagner voltarem-se para a música! Foi uma revelação! Deste momento em diante, Wagner se consideraria herdeiro de Beethoven e de toda a música alemã. O impacto é tão impressionante, que ele chega a afirmar que o futuro da música é ele. Beethoven é o pai artístico de Wagner. E movido por essa descoberta, Wagner empreenderia um estudo exaustivo de toda a obra beethoveniana, sobretudo das sinfonias.


2 ? A FORMAÇAO DO ARTISTA: O ROMANCE FAMILIAR


Com a descoberta da música beethoveniana, Wagner passa a acreditar na música alemã. Ele já conhecia Mozart e Weber, mas para Wagner ainda faltava algo a ser dito na música para o mundo, e quem o disse primeiramente foi Beethoven: o heroísmo humano em luta contra o destino inexorável. A força e o caráter bélico da música de Beethoven, bem como sua atitude de artista orgulhoso e superior ante a sociedade, fascinaram Wagner.
No entanto, sua primeira obra não será uma sinfonia, será uma ópera, terreno que Beethoven só explorou uma única vez, com a obra ?Fidélio?. Essa única ópera de Beethoven fala de um homem que é preso pelo Estado pelo fato de se revoltar contra o mesmo e, por conseguinte, contra a sociedade. É um manifesto em favor do amor e contra a tirania dos imperadores, conta-se que alguns soldados de Napoleão, ao assistirem a uma apresentação de Fidélio, ficaram indignados e exigiram a proibição da obra, o que não se consumou.
A primeira ópera de Wagner será Die Hochzeit, O casamento. Mas Wagner desiste da composição e rasga o manuscrito, o que hoje resta dessa primeira tentativa wagneriana no terreno da ópera é a Abertura e alguns números isolados.
Essa frustração não ameaçaria Wagner por muito tempo, ele é obstinados mais que o próprio Destino! Imediatamente se matricula no curso de contraponto de Theodor Weinlig. Mas não é um aluno dedicado: ele foge das aulas para se refugiar na Biblioteca da Faculdade e para examinar e estudar as partituras de seu mestre Beethoven. Os seis meses de aulas com Weinlig, no entanto, serviriam para Wagner compor algumas sonatas para piano que, na opinião de seu professor eram ?bem-feitas? e revelavam ?talento?. Weinlig percebeu que estava diante de um novo gigante da história da Arte e esse tempo que passou com Weinlig, Wagner iria recordar de maneira feliz e muito agradavelmente em Os mestres-cantores de Nuremberg, onde o pretendente a mestre-cantor Walter toma aulas com o já experiente ancião Hans Sachs ( esse último é a mais humana criação de Wagner. ).
Com o fim das aulas, Wagner se sente encorajado a partir para mais uma empreitada no terreno da ópera: Die Feen ( As fadas ), composta em 1833 e baseada num conto de Gozzi, é a primeira ópera completada por Wagner. Nesse mesmo ano Wagner também termina sua Sinfonia em Dó maior. Essa sinfonia merece o reconhecimento, pois teve sua estréia interpretada pela Orquestra do Gewandhaus de Leipzig, uma das mais tradicionais orquestras alemãs. No entanto, sua ópera As fadas permanecia sem ter sua premieré.
Já com 20 anos, consegue o posto de diretor da orquestra de Riga, onde consegue levar aos palcos sua segunda ópera: Das Liebesverbot ( A proibição de amar ), baseada em Medida por medida, de Shakespeare, e composta em 1834. Essa obra só ficaria cinco dias em cartaz.
Esse período da formação artística de Wagner é marcado por muitos dissabores, mas uma coisa já fica bem clara: a força titânica e o caráter esmagador da personalidade de Wagner ? ele nunca desiste, e quanto mais o Destino coloca desafios e amarguras em seu caminho, mais esse gênio se mostra firme e com uma vontade de ferro em seus ideais.
Nessa época, o grande centro da ópera era Paris. Wagner decide rumar para essa cidade e fazer os parisienses ajoelharem-se aos seus pés. Ele iria pagar caro por tal ousadia... Antes de partir para Paris, casa-se com a atriz Wilhelminna Planner ( que Wagner chamava de Minna ). Essa mulher não estava a altura do marido de forma alguma: ela era uma mulher prática, não voltada para o subjetivo, sua maior preocupação era ganhar dinheiro e ser feliz em uma vida tranqüila e burguesa. Casou com um homem que criticava tudo a sua volta e que não se ajoelharia nem mesmo ante Bismarck! Mas Wagner sentia por ela algo que nem mesmo ele entendia! Quando conheceu Minna, ela era atriz no Teatro de Riga, o mesmo em que ele ocupava o cargo de regente. Ela já tinha uma filha, fruto de uma aventura do passado com um militar. As brigas entre os dois eram freqüentes e por vários motivos, desde as preocupações de Minna com a família, passando pelo reconhecimento do fato de que Wagner possuía muitas outras mulheres até a comprovação de que, para Wagner, bem mais importante era sua condição de artista criador do que as necessidades ditadas pela moda do gosto do público. Wagner nunca se rendeu ao gosto popular! Sempre se manteria fiel a si mesmo, mesmo que isso lhe causasse o mais profundo sofrimento.
E é o mais profundo sofrimento que esse casal encontrará em Paris: serão os anos de cão para os Wagners. Ele não conseguiria encenar nenhuma de suas obras nessa cidade, nem mesmo a que estava compondo especialmente para o teatro de ópera de Paris: Rienzi. Essa ópera continha todos os ingredientes para dar certo em Paris, exceto um: foi composta por um francófobo declarado, e que, ainda por cima, se revelara um anti-semita. Imaginem, o grande compositor de Paris, idolatrado por todos, pelo público e pela crítica, era Meyerbeer, judeu. É certo, todavia, que Meyebeer elogiou Rienzi, mas nada fez para que ela fosse encenada na Cidade Luz. No entanto, mesmo com todo seu anti-semitismo, Wagner ainda conseguiu de Meyerbeer uma proposta para o Teatro da Corte de Dresden. Depois das mais pavorosas situações e humilhações em Paris, literalmente, essa época passada nessa cidade foram ?os anos de fome?, como Wagner iria recordar mais tarde, eles decidem por fim retornar à Alemanha. Mas o ódio de Wagner por Paris nunca acabaria. E o Destino faria justiça: todos os ?grandes compositores? idolatrados pelo público parisiense estão hoje esquecidos, inclusive Meyerbeer, mas a obra de Wagner permanece como estandarte da Verdade artística.
Richard e Minna voltam para a Alemanha. Rumam para o principado de Dresden com uma recomendação assinada pelo próprio Meyerbeer, o homem da ópera de Paris. E com essa recomendação Wagner consegue levar à cena Rienzi! O próprio Wagner rege a orquestra na noite de estréia: há um raio de Sol! É o ano de 1844 e, com o sucesso de Rienzi, Wagner consegue o alto cargo de Mestre-capela da corte de Dresden, ou seja, tudo o que se referir a música no principado, terá que passar por ele antes; uma de suas obrigações nesse novo posto é a composição de uma cantata, A ceia de amor dos Apóstolos. Em 1845, Wagner leva ao palco O navio-fantasma. A aceitabilidade perante o público dessa ópera, na época, não foi tão grande quanto a dispensada a Rienzi, e o motivo é bastante fácil de ser explicado: em Rienzi, Wagner seguiu o que costumeiramente era feito na ópera da época: grandes cenas de batalha, com agitação popular e tema histórico ( Rienzi foi um tribuno romano que morreu durante agitações populares na Roma antiga ); mas em O navio-fantasma, Wagner nos coloca ante um outro tipo de ação: não mais cenas de grande alvoroço popular e batalhas, agora Wagner coloca diante do público uma ação interna, psicológica, onde não há lugar para agitações da massa, e sim, para as inquietações do espírito. É a primeira obra tipicamente wagneriana, onde Wagner já começa a se desprender de seus modelos e rumar em direção a si mesmo.
No Navio-fantasma, temos as seguintes características que iriam marcar os futuros dramas wagnerianos: ação interna e psicológica, tema extraído de lendas e mitos e não retirados da história, uso expressivo da orquestra para não apenas acompanhar os cantores ( como era o costume da época ), mas sim para ser também atuante na ação, como se fosse um ator ou um comentador, a orquestra em Wagner assume importância capital, às vezes maior que o próprio cantor; no Navio-fantasma surge, pela primeira vez, um tema que será recorrente em Wagner, o da Redenção pelo amor.
Todas essas inovações estão presentes em Der Fliegend Höllander ( título original de O navio-fantasma ) fazendo dessa obra um verdadeiro tubo de ensaio para o que Wagner faria mais adiante.
Em As fadas, A proibição de amar e Rienzi Wagner forma-se como artista e absorve características das escolas as quais essas obras estão filiadas, transformando essas características em algo próprio e pessoal, de forma muito livre. As fadas está filiada à ópera alemã de Maschner, com seus temas de união entre espectros e homens; A proibição de amar mostra Wagner influenciado pela ópera italiana, sobretudo Donizetti e Bellini, esse último, autor da belíssima Norma, era um dos compositores operísticos favoritos de Wagner e Norma ainda terá eco em O crepúsculo dos deuses; e Rienzi mostra que Wagner estava captando as idéias em voga na época, sobretudo da Grand ópera francesa de Meyerbeer. Ele assimilou vários elementos dessas correntes opostas e os fundiu em obras de caráter totalmente revolucionário.
Para o século XIX, as futuras obras de Wagner seriam impossíveis de serem cantadas e tocadas, e seriam obras consideradas barulhentas e vítimas de toda a sorte de calúnias e impropérios tanto por parte da crítica quanto por parte do público. Para o século XX, Wagner seria o início de uma nova música e de uma nova percepção musical e artística.


3 ? AMBIVALÊNCIA E CRISE.


A partir de 1845, com O navio-fantasma, Wagner começa a se mostrar mais autônomo em relação aos seus modelos, inclusive Beethoven. A orquestra que ele utiliza é uma orquestra maior, não mais a orquestra beethoveniana dos inícios; sua forma de conceber a ópera vai ficando cada vez mais afastada de seu tempo, e uma nova etapa na criação artística começa a surgir ante o público estarrecido do século XIX.
Durante esse século, e anteriormente, a ópera era dividida em números fechados e estava subordinada aos gostos vaidosos dos cantores. No século XVIII, por exemplo, Mozart teve muito transtorno por causa de cantores que, para brilhar mais ante o público, pediam mais árias individuais, para o público irromper em aplausos, mesmo que isso sacrificasse o drama, mas a genialidade de Mozart permitiu unir essas vaidades aos princípios de arte legítimos, e Mozart, sabiamente, usou as próprias vaidades dos cantores para criar monumentos poderosos de música e drama .
Existia mesmo uma espécie de receita para se escrever uma boa ópera e os compositores deviam segui-lás, a regra básica era que o gosto do público tinha que prevalecer, não importando a obra em si. Por exemplo, se o público gostava de determinado cantor x, e esse cantor era especialista em árias de tom cômico, qualquer ópera em que ele viesse a se apresentar teria que ter uma ária assim, cômica, mesmo que a obra representada fosse um drama.
Contra essa corrupção do gosto estético, Wagner ergueu-se e começou a criticar seus modelos, como Bellini e Donizetti, por exemplo, por terem tantas vezes cedido à corrupção popular, embora que óperas como Norma e a cena final de Lucia de Lammermoor sejam verdadeiros exemplos de arte dramática.
Wagner escreveu vários livros sobre ópera e arte em geral, sendo o maior deles Oper und Drama ( Ópera e Drama, 1850 ). Nesse livro, Wagner ataca ferozmente as convenções da ópera italiana e francesa, chama a primeira de ?prostituta? e a segunda de ?garotinha de sorriso frio?. Ao lançar?se contra esses modelos operísticos, na verdade ele estava se voltando contra seus inícios, como dito acima, Wagner absorveu em três óperas consecutivas, três diferentes escolas. Agora, analisando o conjunto dessas influências, ele mostra para o século XIX que a ópera precisava de mudanças urgentes, e que ele mesmo seria o iniciador dessas mudanças.
Nessa época Wagner ainda estava na Corte de Dresden. Tannhäuser, obra significativa desse período, estréia em 1848. Se, com O navio-fantasma a distância dele para com os seus contemporâneos já era grande, nessa obra torna-se um abismo quase intransponível: o que Wagner oferece ao público não são árias isoladas de brilho para os cantores, ele oferece ação dramática pura, na forma das lutas interiores do cavaleiro Tannhäuser, personagem dividido entre o amor sensual ( simbolizado pela deusa Vênus ) e o amor espiritual ( simbolizado por Elizabeth ), o público não entendeu nada!!
Em 1848, acontece um fato histórico importante: a Revolução de Dresden. Dresden era um principado nos mais de 30 principados da Confederação Germânica, e, naquele período da história, os revolucionários queriam a derrubada de todos os principados alemães e a instauração da república. Vários anarquistas, como Bakunin, são chamados para essa revolução que toma as ruas de Dresden. Não podemos nos esquecer que Wagner era o mestre-capela dessa corte, mas mesmo assim, ele se une aos revolucionários para derrubar o rei! Vai para as ruas de Dresden na ânsia de eliminar o seu patrão!! E fazer da Alemanha dividida em reinos, uma Alemanha unida numa república. Os discursos antimonarquistas de Wagner são arrasadores, ele convida o povo a destruir o palácio e o teatro reais.
Wagner esperava que, com uma mudança política também viesse uma mudança na apreciação do público para com a arte.
Mas a revolução fracassa e seus líderes, incluindo Wagner, são procurados vivos ou mortos. Com a ajuda de Lizst, Wagner consegue passaporte falso e embarca para a Suíça... sozinho... para desespero de Minna, que fica em Dresden apenas acompanhada da filha e que é obrigada a enfrentar a polícia real, que invade a sua casa, confisca todos os seus bens e emite a ordem de procura e extermínio de Wagner; o mandato todavia, como a Alemanha se encontrava dividida, só era válido para Dresden, pois foi assinado apenas pelo príncipe desse principado. Mas Wagner já estava longe quando a polícia invadiu a sua casa. O passaporte foi conseguido por Lizst com a ajuda de sua amante, a Condessa Marie d?Agoult, que viria a ser a mãe dos três filhos de Lizst: Blandine, Cosima e Daniel. A segunda filha, Cosima, seria a segunda esposa de Wagner.
Paralelamente a todas essas rupturas de Wagner, as do plano artístico e as do plano social-político, estava a descoberta de um novo compositor: Hector Berlioz. Wagner considerava esse francês muito parecido com ele mesmo e desejou por muito tempo tornar-se amigo de Berlioz.


4 ? A INSPIRAÇÃO E AS MANIAS DO MESTRE.


Wagner era mesmo esquisito, disso não tenhamos dúvidas. E sua inspiração vinha de forma as mais estranhas. Ele só usava seda! Dizia que era porquê a sua pele era muito sensível e só suportava a maciez desse tecido, claro queridos ( as ). Quando buscava inspiração, ele alisava-se em seus tecidos sedosos, até mesmo as paredes de sua casa tinham que ser recobertas por cortinados de seda.
Sua roupa, além de ser de seda, tinha que ser preta, ou a maioria das peças que estavam sobre seu corpo tinham que ser dessa cor. Além disso, se vestia excentricamente, com trajes que misturavam o século XVIII e a sua época. Ele tinha uma natureza essencialmente teatral. E por falar em natureza, Wagner adorava caminhar longos períodos entre os bosques e as florestas próximas de sua casa, aliás, das várias casas em que morou.
Uma fonte de inspiração wagneriana eram as frutas, ou melhor, o cheiro das frutas, mesmo que a fruta estivesse apodrecida...
Wagner também possuía o estranho hábito de se vestir com hobbes femininos, MA-RA-VI-LHO-SOS ( de seda, claro ), adornados com esplêndidas peles de animais no pescoço, fashion é pouco não é monas!
Wagner possuía também outros hábitos peculiares: costumava dar em cima de mulheres casadas, especialmente as mulheres dos amigos. E durante toda a sua vida, contraiu dívidas em cima de dívidas, com um desprezo solene no que diz respeito a pagá-las.
Ele também gostava de dar festas para os amigos. Nessas festas ele apresentava, em primeira mão, as idéias artísticas que estavam dominando seu pensamento no momento. E também aproveitava para executar ao piano algumas de suas peças e de outros mestres contemporâneos e do passado.


5 ? O ARTISTA REVOLUCIONÁRIO.


Na Suíça, Wagner iria dar vazão ao seu período mais criativo. É na Suíça também, que ele recebe a notícia da estréia de Lohengrin em Weimar, sob a regência de Lizst. Em Zurique, Wagner manteria um caso amoroso com Mathilde Wesendonck, esposa do amigo e mecenas Otto Wesendonck. Dessa união nasceriam obras de um valor sem precedentes; pois, sob a inspiração dessa mulher, Wagner iria compor Tristan und Isolde e também um ciclo de canções chamado Wesendonck-Lieder, que são cinco poemas escritos por Mathilde musicados por Wagner.
Pouco tempo após a instalação de Wagner na Suíça, chega Minna. Quando descobre o relacionamento de Wagner com Mathilde, o escândalo é enorme. Minna não poupa Wagner, a quem acusa de sempre fazê-la sofrer, com seu gênio avesso à sociedade e com suas idéias esquisitas. Wagner e Mathilde se separam, mas Otto continuaria a ser amigo e mecenas de Wagner. O casal Wesendonck era um casal, digamos, liberado: Otto soube do adultério antes mesmo do escândalo de Minna, mas mesmo assim permitiu que sua esposa inspirasse Wagner, tanto no plano artístico quanto no plano sensual, nunca, de forma alguma, proibiu a mulher de visitar a casa de Wagner, numa atitude que demonstra que Otto possuía grande visão da existência, aliada e favorecida pelo conhecimento de que Wagner era um homem especial e diferente de todos os outros daquele século, e que, portanto, não poderia ser julgado por leis criadas por homens comuns, pois o compositor de Tristão e Isolda estava acima de qualquer lei. E essa superioridade ante as leis torna-se legítima quando sentimos na alma obras como Tristão e Isolda, daí vemos o quanto que Wagner era desprendido desse mundo, então, não poderia jamais ser julgado por leis desse mundo, nem de qualquer outro mundo: no plano espiritual, terreno próprio de Wagner, é que este mostra real autonomia: de O casamento até Parsifal, vemos um dançar e um desenvolvimento magníficos do espírito poucas vezes igualado e nunca superado na história humana.
Pouco tempo após, são os Wagners que se separam. Mas Wagner jamais deixaria de auxiliar Minna e sua filha em tudo o que elas precisassem. Mesmo depois da morte de Wagner e de Minna, a viúva deste, Cosima, jamais iria abandonar a filha da primeira esposa de Wagner. A relação de Wagner e Minna pode ser definida como um relacionamento que tentou unir, sem sucesso, um espírito avassaladoramente liberal e um espírito rigidamente conservador. Não podemos, de forma alguma, culpar um ou outro pelo fracasso desse casamento, cada uma das partes vivia em uma mundo próprio e acreditava firmemente nas idéias e representações de seu mundo: Wagner, fiel ao espírito indomável e à revolução artística e política; Minna, conservadora e burguesa. Eram mundos e visões opostos.
Nesse período, começa a composição de sua mais colossal obra: o ciclo de quatro óperas Der Ring des Nibelungen ( O anel dos nibelungos ), formado pelas óperas Das Rheingold ( O ouro do Reno ), Die Walküre ( A valquíria ), Siegfried e Götterdämmerung ( Crepúsculo dos deuses ). Desse ciclo, Wagner já havia tido as primeiras idéias desde 1845 mas, como o assunto era por demais complexo, ele viu que ainda não estava pronto, artisticamente falando, para tal empreitada. Ele só começaria a composição do Anel em 1852, trabalhando nessa obra até 1857, quando a interromperia para compor Tristão e Isolda ( terminada em 1859 ) e Die Meistersinger von Nürnberg
( Os mestres-cantores de Nuremberg, terminada em 1867 ). Em 1869 ele retorna ao Anel, terminando essa gigantesca obra em 1874.
Por essa época, Wagner começa um relacionamento amoroso com Cosima Lizst, que era casada com Hans von Bülow, discípulo fervoroso de Wagner. O relacionamento extraconjugal termina em casamento: Cosima separa-se de von Bülow, sob os protestos de Lizst, e Wagner já estava separado de Minna. Mas, antes do casamento com Wagner, Cosima já havia tido cinco filhos, os três últimos ( Isolda, Eva e Siegfried ) foram filhos de Wagner e não de von Bülow.
Em Zurique, Wagner é apresentado a um jovem admirador seu, muito culto e inteligente: nada mais nada menos que Nietzsche. O jovem filólogo e filósofo era admirador incondicional de Wagner, e sua primeira obra importante, O nascimento da tragédia no espírito da música, contém um elogio à obra wagneriana.
Mais tarde, porém, Nietzsche iria se voltar contra Wagner, e a ópera Parsifal ( composta por Wagner em 1882, seria um dos motivos dessa separação ). Em sua autobiografia, Ecce homo, todavia, Nietzsche dirá que: ?Nada me foi mais caro que a perda da amizade de Wagner.? E mesmo após o rompimento ele continuaria a amar Tristão e Isolda.
Durante a composição do Anel, Wagner constata que não há um só teatro na Europa que suporte tamanha empresa. Decide, então, construir um teatro próprio. Com a ajuda de Ludwig II, rei da Baviera e wagneriano fanático, o Festspielhaus ( Casa dos Festivais ) é inaugurado em 13 de agosto de 1876 com uma montagem completa do Anel dos nibelungos.
Esse teatro possui características singulares: em teatros convencionais a platéia está disposta num mesmo plano, com camarotes ao redor; a Casa dos Festivais, todavia, foi construída segundo o modelo de um anfiteatro grego, as poltronas estão dispostas em forma de um leque inclinado e não há camarotes: todas as pessoas ficam num mesmo plano. Essa concepção mostra as preocupações sociais de Wagner: durante toda a sua vida ele foi aos teatros e via que as pessoas mais ricas ficavam em camarotes e as menos favorecidas em poltronas no auditório que, por estarem no mesmo nível, impediam a visão de quem estava cada vez mais nos fundos. Em seu teatro, os camarotes foram eliminados, e as mais diversas classes sociais sentam-se lado-a-lado, na mesma arquibancada, e todos têm a possibilidade de ver a obra em sua totalidade, sem perder nenhum movimento dos intérpretes, pois o auditório, sendo inclinado, permite a visão completa de qualquer ponto da sala. Outra revolução na forma teatral foi o fosso onde fica a orquestra. Nos outros teatros esse local é aberto, de forma que se pode distrair-se da ópera executada e olhar para os músicos da orquestra, que estão de frente para o auditório, entre este e o palco. Na Casa dos Festivais, porém, Wagner enterrou a orquestra completamente e colocou uma cobertura por cima desse fosso, de forma que ninguém pode ver a orquestra, e esta por sua vez, mesmo estando entre a platéia e o palco, não impede a visão do público, pois está em outro nível, abaixo do solo, no que Wagner chamou de ?Fosso místico?. Com relação à iluminação, Wagner mostra-se novamente revolucionário: o hábito de apagar as luzes antes de começar o espetáculo tem início com Wagner na Casa dos Festivais, foi idéia dele, e hoje todos os teatros no mundo apagam suas luzes antes do início de qualquer espetáculo, essa tradição, no entanto, só foi verificada pela primeira vez em 13 de agosto de 1876, na Casa dos Festivais, em Bayreuth, Alemanha, sob a inspiração suprema de Wagner.
Em 1882, seria levada à cena, em Bayreuth, Parsifal, última obra de Wagner. Nessa obra Wagner funde elementos da doutrina cristã com elementos da doutrina budista, sob a influência de algumas idéias de Schoppenhauer.
O anel, Tristão e Isolda, Os mestres-cantores, Parsifal, o poema-sinfônico O idílio de Siegfried ( composto em homenagem a Cosima ) e o ciclo de canções Wesendonck-Lieder formam as obras principais da última fase de Wagner. É com essas obras que ele rompe completamente com o seu tempo. São obras da maturidade plena de Wagner, que se diferenciam das dos seus contemporâneos pelas dissonâncias extremas, harmonias ousadas, cromatismo e fusão perfeita de texto, música e ação dramática, no que Wagner chamava de Gesamstkunstwerke ( obra-de-arte-total ). Essas obras, particularmente Tristão e Isolda, iriam influenciar os rumos da música no século XX. Tristão e Isolda foi vista no século XX como a primeira obra musical moderna, de fato essa obra, ao arrasar as barreiras entre as tonalidades, ao corroer as bases da música ocidental, no que ela tem de mais importante, ou seja, as relações entre as tonalidades, cria um movimento que desaguaria no século XX nas obras de Richard Strauss, Mahler e, sobretudo, Schoenberg: é através do cromatismo extremado de Wagner em Tristão e Isolda, que Schoenberg inicia seus trabalhos que o fariam desenvolver a única corrente musical organizada do século XX: o Dodecafonismo.
De fato, o Dodecafonismo, o sistema musical maior do século XX, é descendente direto do cromatismo wagneriano.
Certa vez Wagner disse: ?Nasci para revolucionar.? E tornou-se pai da música do século XX.
Em 13 de fevereiro de 1883, às 3:00 horas da tarde, em Veneza, morria Richard Wagner, já tendo cumprido a sua missão de profeta da nova-era musical. Desse hora Nietzsche falou: ?Essa hora sagrada em que morreu Wagner.? O corpo do Mestre foi sepultado nos jardins de sua residência em Wahnfried, Bayreuth. E essa cidade bávara, ainda hoje, é palco anual de uma tradição secular, o Festival wagneriano de Bayreuth, nos meses de julho e agosto, na Casa dos Festivais, teatro esse dedicado exclusivamente à memória solar de Wagner.